sexta-feira, 23 de outubro de 2009

fé e razão em Santo Agostinho

Agostinho é considerado um dos maiores pensadores do cristianismo. Ele fora o primeiro intelectual cristão que possibilitou uma síntese entre fé e razão. Para ele, a fé havia recebido da razão toda a clareza necessária para a sua autocompreensão, ao passo que a razão havia ganhado estímulo e impulso da fé. Havia chegado o momento de diálogo entre a fé a inteligência humana, por séculos desprezado por muitos padres da Igreja, sobretudo nos primeiros séculos onde se encontram filosofia helenística e cristianismo.
Para que melhor se conheça a grandeza e a profundidade da sentenção agostiniana, faz-se mister conhecer os elementos que influenciaram na construção de seu pensamento. Somente situando e contextualizando suas experiências torna-se possível chegar às raízes de sua síntese.
É interessante perceber que Agostinho situa-se na passagem do mundo greco-romano para a Idade Média, cujo valor preponderante é o cristianismo. De certo modo, ele próprio representa essa passagem. Alimentou-se dos resquícios da cultura helênica para depois, converter-se à fé cristã. Ao romper com o passsado, introduzindo uma noção de Deus alheia à filosofia de até então, Agostinho o faz de um modo que caracteriza uma certa continuidade da tradição filosófica.[1]
No período anterior à sua conversão ele teve contato com as obras de Cícero, as categorias de Aristóteles e foi arrastado pelos maniqueístas.[2] Depois recebeu uma forte imfluência do neoplatonismo de Plotino. Sendo assim, por muito tempo Agostinho trilhou pelos caminhos dessas diversas tendências filosóficas do seu tempo. Após a decisiva influência do Bispo Santo Ambrósio, ele passaria a novos horizontes que indicariam o caminho da fé. A experiência da fé tornou-se a substância de vida e de pensamento. Esimulado e comprovado pela fé, seu pensamento adquiriu nova estatura e nova essência. “Nascia o filosofar-na-fé, nascia a filosofia cristã, amplarmente preparada pelos padres gregos, mas que só iria chegar ao perfeito amadurecimento com Agostinho”.[3]
O que se constata é que a história de vida de Agostinho, juntamente com todas as suas experiências de vida foram determinantes para a sua maturidade intelectual e espiritual. Rompendo com uma antiga cisão entre fé e razão, típica dos padres antigos, com exceção de uns poucos, ele fez a ponte de ligação entre essas duas formas de manifestações do conhecimento humano, ou seja, a compreensão como forma de crer e o crer como forma de compreender. No seu tempo havia se tornado emblemática a expressão de Tertuliano (155-220) que traduzia esse clima de tensão entre a fé e razão: “Creio porque é absurdo”. Em Agostinho encontra-se a síntese perfeita entre essas duas modalidades de conhecimento humano. Para ele o homem crer porque compreende e compreende porque crer.
Na perpectiva de Reale “a solução de Agostinho é um círculo hermenêutico. Este significa que todo conhecimento pressupõe pré-conhecimentos apreendidos por outro caminho, que podem depois ser confirmados, desmentidos e modificados. A fé é, portanto um pré-conhecimento em relação à razão, mas a razão depois pode e deve transpor criticamente as verdades de fé”.[4]
Para Agostinho a fé não substitui e muito menos elimina a inteligência. Não se trata de realidades antagônicas, mas convergentes. Em sua perspectiva a fé estimula e promove a razão. Para ele, a fé se traduz como um modo de pensar com assentimento por parte daquele que pensa. O homem pensa e ao fazer fazê-lo se debruça naquilo que stá pensando. Sem o pensamento não haveria fé. Ainda que as verdades da fé não sejam demonstráveis, isto é, passíveis de prova, é possível demonstrar o acerto de se crer nelas, e essa tarefa cabe à razão. E pode-se dizer o mesmo em relação à razão. Ela não elimina a fé, mas ao contrário, fortalece-a e ambas se complementam. O homem não pode crê em alguma coisa desprovido de um conhecimento daquilo que o faz crer; do mesmo modo ele não pode pensar sem crer naquilo em que se crê. A máxima agostiniana leva o homem a ver o mundo dentro dessas duas realidades que se entrecruzam. Não se pode separar essas duas vertentes do conhecimento. “O homem olha para o que é verdadeiro tanto com a fé como com a inteligência”.[5] Assim, a verdade só pode ser assegurada por algo que se coloque acima dos homens e das coisas: Deus. Se a razão, na busca de sua certeza depara com a fé em Deus, é também a fé que permite resgatar a dignidade da razão. E desse modo, nessa mútua relação, tanto a fé como a razão vai guiando o homem ao caminho da verdade.



[1]Cf. ABRÂO, Bernadette Siqueira. História da Filosofia. São Paulo, Nova Cultural, 1999, p. 99.
[2] Os maniqueístas eram membros de uma seita fundada pelo sábio persa Mani (215-275) e que tinha como fundamento a crença de que existem dois princípios que regeriam o mundo: o bem e o mal.
[3] REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da Filosofia V. 2. São Paulo: Paulus, 2003, p. 88.
[4] Ibidem.
[5] Ibidem

4 comentários:

  1. Muito bem construido o comentario sobre Agostinho

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Me vejo em um espelho mirando o embate entre a razão e a fé... Santo Agostinho mostra que sem a fé a razão é incapaz de promover a salvação do homem e de trazer-lhe felicidade.

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  4. Me vejo em um espelho mirando o embate entre a razão e a fé... Santo Agostinho mostra que sem a fé a razão é incapaz de promover a salvação do homem e de trazer-lhe felicidade.

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